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A Garantia da Proteção Integral para crianças e adolescentes ameaçados de morte: contribuições do PPCAAM sob a perspectiva do Poder Judiciário

A Garantia da Proteção Integral para crianças e adolescentes ameaçados de morte: contribuições do PPCAAM sob a perspectiva do Poder Judiciário

Adhailton Lacet  Porto*

Nataly de Sousa Pinheiro**

O princípio norteador da Constituição Federal de 1988, que baliza o sistema jurídico, é o que consagra o respeito à dignidade humana. O compromisso do Estado sustenta-se no primado de igualdade e da liberdade, estampado já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, veda qualquer tipo de discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Ainda no plano constitucional, foi contemplado também o Princípio da Proteção Integral, expresso no artigo 227 da Carta Magna. Tal princípio impõe à família, ao Estado e à sociedade o dever conjunto, e com prioridade, de assegurar às crianças e aos adolescentes uma vida digna, evidentemente com saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura e respeito, protegendo-os de qualquer discriminação, violência, exploração, negligência, crueldade e/ou opressão. 

Posteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069, de 1990, consolidou ainda mais a proteção integral à crianças e adolescentes.  Trata-se de legislação especial, que possui quase trinta anos e mantém um marco de avanços e conquistas relativas aos direitos do público infantojuvenil. É considerada o marco legal e regulatório dos direitos humanos em nosso país para aquele segmento. O Estatuto traz inovações, faz referência a uma proteção mais efetiva e transforma o caráter assistencialista e discriminador do Código de Menores em programas sistematizados de cunho emancipatório.

Também não podemos deixar de mencionar alguns instrumentos internacionais protetivos mínimos voltados a esse público, que, apesar de tratar de forma geral sobre a garantia de direitos, trazem uma dimensão de universalidade, a qual engloba a todos, inclusive crianças e adolescentes. 

Destacamos a Carta Internacional dos Direitos Humanos, que reúne a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os dois Pactos de 1966 (GORISCH, 2014). Essa Declaração, considerada a base do Direito Internacional dos Direitos humanos, apresenta direitos humanos fundamentais, indissolúveis, indivisíveis e inalienáveis, tais como a dignidade, a liberdade e a igualdade, que serviram de inspiração e de fundamento para a formulação de instrumentos de direito interno estatais.

Porém, mesmo com esse arcabouço legislativo, protetivo e integrador, um dos maiores desafios impostos ao Estado brasileiro é concretizar os variados direitos positivados através do ordenamento jurídico. As diversas formas de violência vivenciadas todos os dias por crianças e adolescentes são violações claras aos direitos humanos, o que é inadmissível existir em um Estado Democrático de Direito***.

Mesmo com a criação de políticas públicas específicas voltadas a combater e erradicar as diversas violações de direitos, para que haja de fato a consolidação do Princípio da Proteção Integral, regulamentada constitucionalmente no artigo 227 da Carta Magna, ainda nos deparamos com altos índices de violência que vitimam a infância e juventude em todos os lugares do país.

Porém, surgiram nas últimas décadas intervenções estatais visando a diminuição e o combate a essa violação de direitos. Ganha especial destaque o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), vinculado à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Governo Federal e criado em 2003. 

Trata-se de uma iniciativa cujo objetivo é responder aos altos índices de letalidade infanto-adolescente registrados no Brasil. O Programa se constituiu, ainda, ao longo desses anos, em importante estratégia de interlocução junto a gestores públicos, autoridades locais e comunidades em geral, fomentando o debate sobre a violência letal com toda a sociedade civil (BRASIL, 2010).

A atuação do PPCAAM está em consonância com os pressupostos da proteção integral, visto que se baseia nos mecanismos consagrados pelo ordenamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal de 1988, bem como das convenções internacionais que tratam do tema, como visto acima. 

Não cabe aqui fazermos uma análise mais aprofundada acerca do fenômeno de violação de direitos infanto-juvenis presente ao longo de toda a história do país. Suas origens remontam à colonização portuguesa e à implantação do regime da escravidão. Crianças indígenas e meninos negros foram os primeiros a sofrerem os rigores da estrutura social de distribuição de riqueza fundamentada na desigualdade social. 

Esse cenário faz surgir a necessidade de mudanças legais e culturais em nossa sociedade. Destacamos a importância de conhecer, aplicar e efetivar os devidos instrumentos para que haja o real enfrentamento a situações que colocam em risco crianças e adolescentes.

Ao longo de sua trajetória, é importante reconhecer que o PPCAAM foi sendo consolidado nos estados, desenvolvendo uma metodologia própria, aumentou o número de proteções e aperfeiçoou suas formas de atendimento e atuação em rede. Isso contribui significativamente com o reconhecimento da prioridade de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, assegurando o provimento dos serviços públicos considerados essenciais e o acesso à rede de proteção, fundamentais para o desenvolvimento integral, além da manutenção e do fortalecimento dos vínculos familiares, tão preconizados pelo ECA.

Em parceira com o poder judiciário, o Programa é fundamental para a garantia da segurança das operações que visam retirar crianças e adolescentes ameaçados de morte da situação de risco em que se encontravam, bem como atender às especificidades de cada caso visando a construção de novas oportunidades de vida.

Não obstante, é importante compreender que se faz extremamente necessária essa articulação em rede, para que seja possível a compreensão do fenômeno da violência letal, visto que a cooperação intersetorial contribuiu significativamente com a construção de uma política nacional para o enfrentamento da questão. Para tanto, não basta proteger, é preciso que as políticas públicas tenham como pilares a prevenção e o combate à violência. Sem isso, não será possível romper o ciclo que coloca crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social. 

Nesse processo, é importante mencionar a importância das equipes locais, empenhadas em construir, de forma coletiva, os procedimentos do Programa. Ademais, a rede que faz parte da efetividade do PPCAAM também inclui órgãos de segurança e do sistema de justiça, Conselhos Tutelares, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, parcerias com organizações governamentais e não governamentais, entre outros. 

Com a articulação desses atores, tem sido possível garantir o processo que combina cooperação e reivindicação frente às esferas de poder para o acesso às políticas públicas já existentes, como forma de garantir a efetivação dos direitos estabelecidos em lei. 

Quando se trata da justiça infanto-juvenil, as demandas que chegam ao seu conhecimento já trazem em si desafios complexos para seu atendimento, já que, no bojo de sua atuação, o poder judiciário não trabalha com a prevenção, mas necessariamente com o enfrentamento às situações de violações de direitos. Mas, o que antecede o processo de judicialização encontra suas bases na falha e má prestação das políticas públicas. Além disso, a própria estrutura social agrava as condições de vida e de existência das famílias com menor renda, sendo esta a composição dos principais sujeitos atendidos. 

Não basta um “cumpra-se”, uma determinação da autoridade judicial para que esse processo se modifique. É necessário uma gama de ações para o enfrentamento das diversas violações que vitimam crianças e adolescentes. Dentre elas, podemos citar a adequada destinação de recursos públicos para a efetivação das políticas e a existência de Programas criados e coordenados pelo Poder Executivo, seja na esfera municipal, estadual ou federal. E nesse processo, o PPCAAM é um forte exemplo de ação efetiva para a garantia da proteção integral, tão preconizada em nosso ordenamento jurídico.

Diante de toda a legislação supracitada, podemos observar que o Estado brasileiro não está aquém de regulamentação de leis que visem a proteção de crianças e adolescentes. O que é necessário, entretanto, é o cumprimento de tais normas, pois tratam-se de direitos fundamentais de um público que ainda está em desenvolvimento e, assim, não possui condições amplas de lutar pelos seus próprios direitos.

Em vista disso, de acordo com a nossa Carta Magna, é inconstitucional tratar de forma discriminatória crianças e adolescentes, posto que negar acesso a qualquer direito, é ir de encontro aos princípios da igualdade, da dignidade humana e da proteção integral.

Para Dias (2007, p. 183):

Não pretendemos esgotar a discussão referente ao tema, pelo contrário, temos a intenção de suscitar o debate através da análise de diferentes fontes de pesquisa bibliográfica e documental, as quais mostram que, mesmo havendo resultados com as atuais políticas públicas, é necessário aumentar os mecanismos de garantia e efetivação de direitos do público infanto-juvenil.

As afirmações acima traduzem a nossa visão da importância desse Programa em garantir a proteção integral das crianças e adolescentes, visto que, no mesmo ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente comemora seus 30 anos, o PPCAAM possui um papel fundamental para o aperfeiçoamento contínuo do trabalho de toda a rede de proteção, visando assegurar que crianças e adolescentes, indiferentemente de onde estejam, tenham o direito de se desenvolver de forma plena, saudável e segura, com todos seus direitos humanos e sociais respeitados e garantidos.


*Adhailton Lacet Porto é Juiz Titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital – Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Vice-presidente do Colégio de Coordenadores da Infância e da Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil.

**Nataly de Sousa Pinheiro é Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Serviço Social pela mesma instituição. Bacharel em Direito e Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, com lotação na 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital.

***O Estado de Direito é o que decorre das Revoluções Burguesas, caracterizando os Direitos Fundamentais de primeira dimensão, marcados, pois, por uma passividade do Estado. Em outra medida, o Estado Democrático de Direito se caracteriza por conjugar, a um só tempo, direitos humanos em sucessivas dimensões, comportando também, por isto, uma postura positiva do Estado (SIQUEIRA, 2008).


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União,Brasília, DF: 22 set. 1988.

______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União,Brasília, DF: 16 jul. 1990.

______. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União,Brasília, DF: 07 dez. 1993.

______. Programa de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte: PPCAAM / Secretaria de Direitos Humanos; organização Heloiza de Almeida Prado Botelho Egas, Márcia Ustra Soares. – Brasília: Presidência da República, 2010.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GORISCH, P. O reconhecimento dos direitos humanos LGBT: de Stenowall à ONU. Curitiba: Appris, 2014.

SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Estado Democrático de Direito: separação de poderes e súmula vinculante. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12155/estado-democratico-de-direito>. Acesso em: 5 mar. 2018.

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