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Justiça conduz articulação em favor da infância e da juventude

Justiça conduz articulação em favor da infância e da juventude

Nos últimos 15 anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu prioridade e se empenhou para trazer mais dignidade e sensibilidade ao atendimento do jurisdicionado mais vulnerável: as crianças. Os avanços incluem a criação e padronização das varas de infância e juventude, passando pelo atendimento humanizado e multidisciplinar às vítimas de violência, até a unificação e informatização do cadastro nacionalizado de acompanhamento dos processos de adoção.

Distante de seu imaginário e do universo infantil, nenhuma criança pensa que passará pelos ritos jurídicos, cheios de fases, formalidades e prazos. No entanto, essa é a realidade de centenas de milhares de pequenos brasileiros, desde recém-nascidos até adolescentes. Grande parte deles é vítima de problemas familiares e em situação de extrema fragilidade emocional.

Diante desse cenário, logo no primeiro ano após sua criação, o CNJ editou duas recomendações para a atuação da Justiça em relação a cidadãos de pouca idade. A Recomendação 2/2006 indicou a implantação de equipes interprofissionais em todas as comarcas, de acordo com o que preveem os artigos 150 e 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Já a Recomendação 5/2006 previu estudo da viabilidade da criação de varas especializadas em direito de família, sucessões, infância e juventude, e de câmaras ou turmas com competência exclusiva ou preferencial sobre tais matérias.

Gargalo nacional

Com a organização das varas especiais em andamento, o foco de atuação se voltou para um dos principais gargalos nacionais: as adoções. O sistema de adoção brasileiro era visto como um calcanhar de Aquiles do Judiciário: moroso, confuso e burocrático. Como cada tribunal centralizava as informações de seu estado, uma família tinha que se cadastrar em vários tribunais para aumentar as chances de encontrar uma criança compatível. Isso gerava duplicidade nos número de potenciais adotantes e privilegiava as famílias com renda mais alta, que podiam viajar para outros estados. Em 2008, as coisas começaram a mudar.

O primeiro passo do CNJ para a organização e padronização foi a Resolução 54, de 29 de abril de 2008, que criou o Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Na sequência, em 2009, veio o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), uma segunda listagem, agora com informações mais amplas, de todas as crianças acolhidas pelo Estado e suas peculiaridades. Com os dois cadastros, ambos gerenciados pelo CNJ, foi possível pensar e elaborar políticas públicas que ajudariam a resolver entraves ao processo de adoção. Com eles, foram consolidadas informações sobre onde e como as crianças estavam acolhidas em orfanatos ou estabelecimentos mantidos por ONGs, igrejas e instituições religiosas em todo o País.

“A criação dos Cadastros foi um marco histórico. Antes era uma confusão. Cada comarca fazia de um jeito diferente. Eles trouxeram dados estatísticos confiáveis, nacionais, informatizados, mostrando quais estados estavam com mais dificuldade, onde deveríamos focar mais atenção. Foi uma mudança total de paradigma”, enfatizou o juiz da Vara da Infância Protetiva de Guarulhos (SP), Iberê Dias. “Os Cadastros vieram para moralizar todo o trabalho que estava sendo feito”, completou.

Iberê Dias foi um dos magistrados a participar do grupo de trabalho instituído pelo CNJ para implementar as melhorias necessárias à modernização dos cadastros. Em 2019, o CNJ unificou definitivamente as informações da adoção e do acolhimento e criou o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Regulamentado pela Resolução 289/2019, a ferramenta permite que as varas de infância e juventude tenham uma visão integral do processo da criança e do adolescente desde sua entrada no sistema de proteção até a sua saída, quer seja pela adoção quer seja pela reintegração familiar. São os dados destes processos que foram unificados eletronicamente e agora são consolidados em tempo real e estão abertos a toda sociedade.

“É uma mudança de paradigma jamais vista. Hoje temos informações em tempo real sobre crianças em espera para adoção, sobre famílias habilitadas, sobre crianças ainda não habilitadas ou devolvidas, sobre número de abrigos. É um grande e positivo avanço”, destacou Iberê Dias.

Instrumentos de proteção

Para desenvolver ações contínuas e de longo prazo em defesa da infância, o CNJ criou em 2009 o Fórum Nacional da Justiça da Infância e da Juventude. Os desafios assumidos incluíram monitorar estatisticamente as ações judiciais e elaborar estudos relacionados à infância e à juventude. O colegiado também atuou para aperfeiçoar a atividade das unidades judiciárias competentes, propondo medidas para otimizar as rotinas processuais e tornar o trabalho mais eficiente.

Desde a primeira formação, magistrados atuantes na área compõem o Fórum. Entidades representativas da magistratura que operam na ponta o direto da infância também estiveram presentes nos diversos debates que se seguiram. Com a Resolução 266/2018, sob a abreviação Foninj, o grupo recebeu mais atribuições, como a de organizar eventos e seminários, promover o intercâmbio de projetos regionais e elaborar recomendações aos tribunais. E manteve a principal de suas funções: facilitar a interlocução entre os órgãos de justiça.

“O Foninj unificou e criou uma sinergia entre todos os órgãos da Justiça. Ele ajudou a estabelecer políticas públicas efetivas, com foco, ajudando a cumprir o que determina do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, destacou o ex-conselheiro do CNJ e ex-presidente do Foninj, Luciano Frota. “Graças ao Foninj, hoje temos uma política pública nacionalizada”, completou.

Completando o aparato técnico instrumental para concretizar políticas públicas na área da infância e da juventude, ainda em 2009, a Resolução 94 do CNJ determinou a criação de Coordenadorias da Infância e da Juventude como órgãos permanentes de assessoria aos tribunais brasileiros. Por meio delas, o Judiciário desenvolveu campanhas de realização de exames de paternidade, desafogando os processos das varas de família que dependem deste exame para solução final.

Este apoio viabilizou o lançamento, em 2010, da campanha Pai Presente, pela Corregedoria Nacional de Justiça. O objetivo foi dar dignidade aos mais de 5,5 milhões de brasileiro que não possuíam o nome do pai na certidão de nascimento, conforme o Censo Escolar de 2011.

A ideia era estimular o reconhecimento de paternidade de forma espontânea. Para isso, eles precisavam falar com os homens, sensibilizá-los. Em 2012, o CNJ levou o problema para o local onde a maioria dos homens mais se concentra e se emociona: os estádios de futebol. Jogadores de vários times e em cidades e datas diferentes entraram em campo, em uma das rodadas do Campeonato Brasileiro daquele ano, com uma faixa e um pedido: “Pai Presente, o reconhecimento que todo filho espera”. Todos se uniram para falar sobre a importância do reconhecimento e da participação dos pais na criação das crianças.

Para além da sensibilização, o Provimento 16/2012 da Corregedoria Nacional incluiu 7.324 cartórios com competência para registro civil do país, presente em localidades onde não há unidade da Justiça ou postos do Ministério Público (MP), para dar início ao reconhecimento de paternidade tardia. A partir da indicação, no cartório, do suposto pai, feita pela mãe ou filho maior de 18 anos, as informações são encaminhadas ao juiz responsável. Este, por sua vez, localiza e intima o suposto pai para que se manifeste quanto a paternidade ou toma as providências necessárias para dar início à ação investigatória, inclusive com a realização de exames de DNA. Caso o reconhecimento espontâneo seja feito com a presença da mãe (no caso de menores de 18 anos) e no cartório onde o filho foi registrado, a família obtém na hora o novo documento. Descentralizado a partir de 2012, o programa Pai Presente se perpetua na Justiça brasileira ainda hoje, com ações amparadas pelos normativos e pelas experiências do CNJ.

Outro marco na estruturação da Justiça para atender as crianças foi a determinação, em 2014, de estabelecimento de normas e estrutura mínimas para funcionamento das varas de infância e de juventude no Brasil. Ancorados no Provimento 36, os tribunais de Justiça tiveram que instalar varas de competência exclusiva em matéria de infância e juventude nas comarcas com mais de 100 mil habitantes. Além disso, de acordo com o provimento, os presidentes dos tribunais receberam a incumbência de implantar equipes ou, ao menos, núcleos multidisciplinares regionais efetivos e de atuar de forma integrada com as secretarias municipais de assistência social. Dessa forma, se consolida a importância da multidisciplinaridade no trato do tema da infância e da juventude.

Humanização da escuta

A maior aproximação e coesão da Justiça em torno dos direitos de crianças e adolescentes permitiu ao CNJ agir para além dos desafios enfrentados por abrigos e orfanatos e ainda de famílias em todo o país. Cientes de uma iniciativa inovadora que acontecia no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), os conselheiros resolveram ampliar o trabalho e mudar os paradigmas do tratamento dado às vítimas infantis de violência sexual.

Com uma câmera amadora e um microfone comprado em uma pequena loja comercial nas proximidades do tribunal, dois juízes da vara da Infância e juventude de Porto Alegre encontraram uma forma mais humana para ouvir o depoimento das crianças vítimas de crimes, em especial as vítimas de violência sexual. Nascia ali o depoimento especial de crianças em ações criminais.

“Era uma enorme dificuldade ouvir os depoimentos das crianças. Eu me sentia péssimo ao fazer a criança contar tudo de novo e não me sentia confortável sequer para fazer as perguntas de uma forma mais compreensível para as crianças. A gota final veio do depoimento de uma criança de seis anos, vítima de estupro, que mexeu muito comigo”, contou o então juiz de direito do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre José Antônio Daltoé Cezar. Hoje, ele é desembargador da Vara de Família do TJRS. “Na época, começavam a ser usadas as câmeras de segurança. Vi uma dessas na casa do meu cunhado e pensei: ‘Será que a gente consegue colocar som nessa imagem?’ Daí surgiu a ideia”, lembra Daltoé. “Conseguimos uma sala pequena, instalamos a câmera e o microfone. Conversamos com uma psicóloga e informamos que íamos começar a ouvir as vítimas de uma forma diferente”, conta. O ano era 2003.

O desembargador diz que o resultado positivo em termos de qualidade dos depoimentos coletados por vídeo foi imediato. “Com o ambiente mais acolhedor e a presença do psicólogo, as vítimas se sentiam mais à vontade e falavam mais. Não que isso tenha feito aumentar o número de condenações, mas conseguimos dar um atendimento mais humano para essas crianças”, destacou.

Em 2010, o CNJ aprovou a Recomendação 33, com a orientação par que aos tribunais criassem serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Após a sistemática virar lei sob a numeração 13.431/2017, em 2019, o Conselho firmou o Pacto Nacional pela Implementação da Lei 13.431/2017, junto com outros signatários do Poder Público e da sociedade civil, e regulamentou a implantação nos tribunais, por meio da Resolução 229.

Pacto pela infância

Quinze anos desde a sua criação, o CNJ se fortalece no papel de mobilizar todos os profissionais da Justiça e da sociedade para garantir o direito das crianças. Atualmente, o Conselho coordena um esforço nacional e multidisciplinar para concretizar, em última instância, o previsto no art. 227 da Constituição Federal: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O empenho se dá pelo Pacto Nacional pela Primeira Infância, hoje com mais de cem signatários, entre representantes do Judiciário e demais atores do Sistema de Justiça, de órgãos públicos do Poder Executivo municipal, estadual e federal e de entidades do terceiro setor e da academia. A iniciativa do CNJ tem como objetivo unir esforços para efetivar direitos previstos na legislação para a população brasileira com até seis anos de idade, a faixa etária de maior importância para o desenvolvimento de uma criança.

O projeto já reuniu nas regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste do Brasil instituições públicas e privadas para discutir caminhos e trocar experiências que garantem direitos e promovem a melhoria da infraestrutura necessária à proteção do interesse da criança. Um cronograma amplo e diversificado de ações inclui ainda a realização de seminários e cursos presenciais e online para sensibilizar e capacitar 23,5 mil pessoas com atuação ligada à área. A articulação também viabilizou a realização de diagnóstico da situação da atenção à Primeira Infância no Sistema de Justiça, em 120 municípios brasileiros.

“Quando o CNJ chegou, tinha muita coisa sendo feita em prol da infância nos tribunais, mas tudo de forma descentralizada. O CNJ veio para dar essa união e para universalizar as políticas”, lembra o ex-conselheiro do CNJ e ex-presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), Luciano Frota. “O nosso sistema de justiça avançou muito, mas ainda é preconceituoso e punitivo. É uma herança cultural que temos que mudar”, disse.

Este texto faz parte da série comemorativa dos 15 anos do CNJ. Conheça aqui outros momentos dessa história

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