NOTA TÉCNICA CONTRÁRIA À RESOLUÇÃO nº 258/2024, DO CONANDA
A Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude –
ABRAMINJ, instituição com 50 anos de existência e que une mais de 900 magistrados da infância e juventude, apresenta sua contrariedade à Resolução nº 258/2024, do CONANDA, em razão de sua ilegalidade.
A Resolução em epígrafe tem natureza administrativa, e pretende ser uma norma
regulamentadora. Como tal, não poderia ser contrária à lei, nem mesmo extrapolar dos limites da norma legal regulamentada. A regulamentação somente é legítima se é realizada dentro dos limites e de acordo com a norma regulamentada.
De início, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através
do Decreto Legislativo n° 28, de 14 de setembro de 1990, estabelece no Artigo 3, item 2: “Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores legais ou outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, com essa finalidade, tomarão todas as
medidas legislativas e administrativas adequadas”.
O Artigo 5 da Convenção traz o seguinte comando: “Os Estados Partes devem
respeitar as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, quando aplicável, dos membros da família ampliada ou da comunidade, conforme determinem os costumes locais, dos tutores legais ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, para proporcionar-lhe instrução
e orientação adequadas, de acordo com sua capacidade em evolução, no exercício dos direitos que lhe cabem pela presente Convenção”.
O CONANDA não é dotado de competência para legislar sobre Direito Civil e
sobre Direito Processual Civil, sendo certo que essa competência legislativa é atribuída à União, conforme gizado na Constituição Federal (art. 22, I).
O Código Civil (Lei nº 10.406/2002), em seus arts. 3º e 4º, trata da incapacidade
civil absoluta e da relativa, sendo certo que, respectivamente, todas as crianças e adolescentes neles listados estão impedidos de exercer atos da vida civil sem representação ou assistência.
O art. 5º do mesmo diploma legal lista os casos nos quais cessará a incapacidade, sendo certo que nenhuma das situações constantes da Resolução CONANDA nº 258/24 se encaixa no dispositivo legal.
O art. 142, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)
determina que “Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual”. Lembre-se que o Estatuto tem matriz constitucional, bem como que deve haver o diálogo de fontes com o Código Civil, que reduziu a idade da maioridade civil.
Assim, a Convenção Sobre os Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil, a
Constituição Federal assegura à União a competência legislativa para tratar de Direito Civil; e o Código Civil elenca o impedimento de exercício de atos da vida civil pelos absolutamente e relativamente incapazes sem representação e assistência, nessa ordem. Por fim, também constam do Código Civil os casos de cessação da incapacidade antes dos 18 anos de idade, e o ECA prevê
a necessidade de assistência e de representação para os menores de 18 anos. A partir dessas premissas, analisemos a Resolução CONANDA nº 258/24.
Os arts. 23 a 25 da Resolução citada, em síntese, dispõem que a criança e a
adolescente podem procurar o serviço de saúde manifestando o desejo de interromper a gestação sem a presença dos responsáveis legais, quando serão consultadas sobre a possibilidade de contatar seus responsáveis legais ou um adulto de referência. Se a adolescente ou até mesmo a criança afirmarem que não desejam que o contato seja realizado, todo o procedimento previsto na
Resolução (incluindo a interrupção forçada da gravidez) ocorrerá sem a presença e/ou ao menos conhecimento dos responsáveis legais, sem a nomeação de representante e sem qualquer atuação do Juízo com competência em Infância e Juventude.
A Resolução do CONANDA, de natureza administrativa, deseja criar uma causa
de cessação da incapacidade absoluta e também da relativa, permitindo à criança e à adolescente sem representação ou assistência o exercício de ato da vida civil, sem que essa hipótese se enquadre em qualquer uma das exceções já elencadas constantes do Código Civil.
Existe reserva legal para o caso de divergência entre os interesses da criança ou
adolescente e de seus responsáveis legais: “A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual” (parágrafo único do art. 142 do ECA); “Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do
filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial” (art. 1.692 do Código Civil); “O juiz nomeará curador especial ao incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade” (art. 72, I, do Código de Processo Civil).
Pelo texto da Resolução a decisão pelo aborto por adolescente ou até mesmo criança pode ocorrer sem o conhecimento de seus responsáveis legais, e também sem qualquer atuação do Poder Judiciário. O art. 10 da Resolução giza que “Identificada a gravidez decorrente de violência sexual e/ou situação de risco de vida ou diagnóstico de anencefalia, e manifestado o interesse na interrupção legal da gravidez, o órgão do SGD que primeiro receber o relato encaminhará a criança ou adolescente direta e imediatamente ao serviço de saúde para realizar o procedimento” (grifo nosso). Tudo isso sem a participação de qualquer representante legal da criança ou da adolescente, e sem nenhum controle judicial.
O direito à informação previsto na Resolução é incompleto e parcial. As menções
expressas na Resolução tratam da informação sobre os riscos para a saúde da gravidez, silenciando em absoluto sobre a informação quanto aos riscos inerentes à realização de um aborto; e também são no sentido da informação sobre a possibilidade de realização do aborto, mas nunca sobre a informação quanto à possibilidade de entrega legal e protegida para adoção (art. 19-A, do ECA, e
Resolução CNJ nº 485/23). O direito fundamental à informação deve ser respeitado integralmente, porque a informação parcial mais se assemelha à indução, mormente quando prestada para criança ou adolescente absolutamente desacompanhada de representante legal ou de pessoa de sua
confiança. Note-se que o art. 5º, §1º da Resolução CNJ nº 485/23 assegura à criança e à adolescente o direito de sigilo da entrega para adoção em relação aos seus genitores, mas obriga que ela seja representada por Defensor Público ou por advogado por ela nomeado, sendo certo que essa entrega acontece perante o Poder Judiciário.
A Resolução se mostra conflitante quanto à comunicação do fato ao Ministério
Público e ao Juízo com competência em Infância e Juventude. O seu art. 16 afirma que o Ministério Público somente será acionado se não houver Conselho Tutelar na localidade. Os arts. 28 e 29 tratam dos “casos excepcionalíssimos em que haja procedimento judicial” (grifo nosso). Trata-se de invasão da competência jurisdicional para determiná-la não apenas excepcional, mas sim excepcionalíssima, em desrespeito à limitada capacidade normativa do CONANDA, posto que competência jurisdicional é matéria regulada por legislação de âmbito nacional.
Por todas as razões expostas, nos posicionamos contrários à Resolução nº 258/2024, do CONANDA, haja vista sua ilegalidade e consequente inconstitucionalidade.
Brasília, 10 de janeiro de 2025.