VIJ-DF reúne esforços para estudos de casos de violação de direitos infantojuvenis na pandemia
O contexto da pandemia de Covid-19 no qual a população do Distrito Federal vive há um ano trouxe reflexos ao trabalho desenvolvido pela equipe interprofissional da Vara da Infância e da Juventude (VIJ-DF), que precisou realizar um grande esforço conjunto de reflexão e adaptação às restrições de contato social impostas pela pandemia, aos protocolos de atuação e normas técnicas, além de recomendações e resoluções dos conselhos de classe dos profissionais.
Apesar das dificuldades, o esforço coletivo da equipe técnica da Vara possibilitou, em 2020, a realização de estudos e produção de relatórios, certidões e parecer técnico em processos judiciais nos quais houve denúncia de violação de direitos e possível situação de risco envolvendo 100 crianças, 59 adolescentes e suas famílias, sendo 83 meninas e 76 meninos na faixa etária de 0 a 18 anos ou mais. Os dados estão em relatório produzido pela Seção de Atendimento à Situação de Risco da VIJ-DF (SEASIR).
“As entrevistas a distância por videochamada no WhatsApp ou aplicativos de reunião (Meet ou Zoom) foram uma novidade trazida pela pandemia”, afirma a supervisora da SEASIR, Niva Campos. Ela conta que as equipes interprofissionais, em parceria com a Seção de Comunicação Institucional da VIJ-DF (SECOM), idealizaram um vídeo explicativo com dicas úteis para a realização dessas entrevistas com pessoas que figuram como partes em processos da Vara. O vídeo produzido pela SECOM é enviado pela equipe técnica ao potencial entrevistado antes da realização da entrevista.
“Essa iniciativa facilitou a comunicação com o entrevistado, além de resguardar a efetividade do procedimento e a privacidade dos envolvidos, buscando garantir a realização de um estudo de caso possível durante a pandemia”, avalia Niva Campos. A supervisora ressalta, no entanto, que nem todas as pessoas a serem entrevistadas têm acesso aos equipamentos necessários e à internet, o que impossibilita que todas as entrevistas e estudos sejam realizados por meio da tecnologia.
Dados estatísticos dos estudos psicossociais
Depois de finalizado cada estudo de caso, além do relatório psicossocial dirigido ao juiz, são coletadas informações em um formulário estatístico a respeito da caracterização das crianças e adolescentes apontados como vítima e da possível situação de violação de direitos sofrida. O relatório anual traz dados sobre sexo, faixa etária, vida escolar, situação de saúde, renda familiar, inserção em programas sociais, predominância do risco ou proteção, autores da violação de direitos, figuras de proteção, situações de risco e medidas de proteção ou recomendações sugeridas pela equipe técnica.
Vida escolar
Os dados coletados em 2020 apontam que 86% das crianças em idade escolar encontravam-se regularmente matriculadas na escola. Porém, segundo o relatório, muitas crianças e adolescentes ficaram sem acesso aos estudos, embora matriculados, em virtude da pandemia do novo coronavírus. Muitos estudantes não puderam aderir à modalidade de ensino a distância por falta de equipamentos e de adaptação ao sistema, e algumas famílias pararam de pagar as mensalidades escolares pela ausência de aulas presenciais. Não foi possível coletar os dados de 9 dos 159 envolvidos na pesquisa.
“Essa interrupção causada pela necessidade de isolamento social para contenção da pandemia tem o potencial de trazer consequências negativas ao desenvolvimento escolar das crianças e adolescentes, como atrasos, evasão, dificuldades de aprendizagem, desestímulo, entre outras”, afirma o relatório. Por outro lado, houve relatos de algumas crianças e adolescentes (com mais dificuldades ou menos habilidades sociais) de que as aulas on-line favoreceram sua organização e aprendizagem.
Situação de saúde
Foi possível apurar as condições de saúde de 151 crianças e adolescentes. Desse total, 72% são saudáveis.
Renda familiar
De uma amostra de 121 crianças e adolescentes em relação aos quais foi possível apurar o dado, verificou-se que 34% têm renda familiar menor ou igual a um salário mínimo, e cerca de 10% a partir de 7 salários mínimos.
Conforme o estudo, nas faixas de renda mais baixas, há uma maior proporção de autos judiciais de medida protetiva a criança ou adolescente, enquanto nas faixas mais altas de renda, a proporção maior é de autos de guarda.
Inserção em programas sociais
A partir das 132 crianças e adolescentes pelos quais tal dado pôde ser apurado, verificou-se que 61 crianças e adolescentes provavelmente viviam em um contexto de precariedade material com suas famílias, sendo beneficiários de programas sociais.
Risco ou proteção
Em relação à predominância do risco ou da proteção no momento da avaliação psicossocial, a SEASIR constatou o seguinte:
Autoria da violação de direitos e figuras de proteção
Em 2020, nos casos estudados, contabilizou-se pela primeira vez a frequência e o grau de parentesco dos autores da violação de direitos e das figuras protetivas. “O mesmo familiar ou indivíduo pode aparecer como autor da violação e figura protetiva se considerarmos a variável tempo, ou seja, um familiar pode ter sido autor da violação de direitos no passado e no presente ser a figura de proteção”, explica o relatório.
Nas duas tabelas a seguir estão apresentados os resultados em ordem decrescente de frequência. Cada criança ou adolescente pode ter mais de um agente violador e mais de uma figura de proteção.
Das 30 crianças e adolescentes cuja avaliação da equipe da SEASIR apurou a predominância do risco, verificou-se que:
- 10 tinham como agente violador a mãe;
- 6, o pai e a mãe;
- 5, a mãe e avós maternos;
- 2, o pai;
- 1, a mãe e a família de criação;
- 1, os avós maternos e tios;
- 3 adolescentes eram agentes de risco por sua própria conduta;
- 2, o item não foi respondido.
Na amostra estudada, verificou-se maior prevalência da mãe no contexto de risco. De forma similar, a mãe e a família ascendente materna também foram prevalentes no contexto da proteção. Para análises de gênero, o dado revelou uma ausência importante no formulário estatístico, que é a paternidade da criança.
A prevalência da mãe ou família materna em ambas as dimensões (risco e proteção) pode também estar relacionada à ausência do pai, de acordo com o estudo. “Essa ausência já é por si um elemento de risco para o desenvolvimento humano, conforme demonstram as pesquisas”, afirma o relatório.
A partir dos dados quantitativos, verifica-se que a família biológica nuclear da criança ou adolescente se configura tanto como um contexto preponderantemente promotor de fatores de risco e violação de direitos quanto de proteção.
“Tal constatação confirma a pressuposição de dependência infantojuvenil em relação ao seu ambiente familiar de origem devido ao seu grau de desenvolvimento e autonomia, estando assim sujeita às adversidades, morbidades ou potencialidades de seus pais ou responsáveis”, diz o estudo.
O relatório ressalta que a família (nuclear e extensa) ainda representa a maior fonte de proteção de crianças e adolescentes, necessitando de amparo social e econômico das políticas e serviços públicos (escola, saúde, assistência social) de qualidade.
Situações de risco
Foram identificados e contabilizados também nos casos estudados os tipos de violações de direito contra as crianças e adolescentes denunciadas nos autos e a frequência dos fatores de risco, independentemente de sua natureza (guarda, medida protetiva, precatórias e outras). A negligência, a convivência com usuários ou dependentes químicos e a violência conjugal e intrafamiliar são as mais prevalentes nos casos estudados.
No momento do estudo, foram identificadas entre as 159 crianças e adolescentes se as situações de risco ainda vigoravam ou se ocorreram apenas no passado. Entre as violações de direito sofridas no passado, prevaleceram a negligência, a convivência com usuário de drogas ou dependente químico e a violência conjugal e intrafamiliar.
Entre as violações de direito atuais (verificadas no momento do estudo), apareceram com maior frequência a negligência (24 crianças/adolescentes), a convivência com indivíduo dependente químico (22), a moradia precária/insalubre (21) e a convivência ou estar sob a responsabilidade de indivíduo(s) com indícios/diagnóstico de grave comprometimento psíquico/mental (20), seguida de perto pelo risco provocado pela própria conduta da criança ou adolescente (19).
Medidas de proteção ou recomendações sugeridas
Entre as medidas mais frequentemente sugeridas pela equipe interprofissional da SEASIR no ano de 2020 estão o acompanhamento pelo Conselho Tutelar e medidas relativas à guarda (deferimento de guarda e alteração). Em seguida, vêm os encaminhamentos envolvendo tratamento de saúde física ou mental enquanto obrigação dos responsáveis para se tratar ou levar a criança ou adolescente para tratamento. “Cabe ressaltar que grande parte da amostra estudada foi de casos de guarda, o que justifica a prevalência das sugestões relativas à guarda”, destaca o relatório.
A recomendação de manutenção do acompanhamento do caso pelo Conselho Tutelar é a mais frequente, indicando que este órgão é bastante atuante na proteção dos direitos das crianças e adolescentes.
Ainda conforme o relatório de estudos, também se faz necessária a permanente articulação da VIJ-DF com a rede de proteção integral (Conselhos Tutelares, CRAS, CREAS, entre outros órgãos) e os serviços públicos de saúde mental.
FONTE: VIJ/DF por Noriete Celi da Silva