Nota Pública da Abraminj sobre Projeto de Lei nº4414/2020
NOTA PÚBLICA
A Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude – ABRAMINJ, instituição com 50 anos de existência e que une mais de 900 magistrados da infância e juventude, e o Fórum Nacional da Justiça Protetiva – FONAJUP, que congrega juízes especializados na Justiça Infantojuvenil, apresentam sua contrariedade ao Projeto de Lei do Senado 4414/2020, de Iniciativa do Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), que altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre regras de adoção a serem adotadas em situações de pandemia ou calamidade pública.
A situação de calamidade pública é excepcional; por isso, qualquer retirada da criança de sua família em razão da pandemia deve também ser excepcional e cuidadosa.
Para promover o cuidado requerido no contexto da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério da Cidadania e Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos exarou a Recomendação Conjunta no 1, de 16 de abril de 2020.
As razões para a perda do poder familiar estão previstas no ECA e se aplicam sem qualquer necessidade de modificação a eventual circunstância causada pela crise sanitária ora vivida. Por outro lado, a falta ou a carência de recursos financeiros não justificam por si sós o afastamento da criança e do adolescente do lar, como expressamente previsto no art. 23 do ECA.
Outrossim, na justificação do PLS consta que os pais estão abandonando os filhos “por falta de emprego”. Contudo, a situação material não é suficiente para o encaminhamento à adoção, sendo papel do Estado oferecer o apoio de que a família necessita para prevenção da ruptura do vínculo e não simplesmente retirar a criança e encaminhá-la para a adoção. Neste contexto, faz-se imperioso que se aguarde a família se reestruturar e que se compreenda que o acolhimento é uma medida protetiva, neste período. A criança não pode ser penalizada com a perda de sua família, devido ao contexto da pandemia.
O projeto de lei em pauta propõe tratamento diferenciado para as crianças acolhidas por conta da COVID em relação às outras crianças, ofendendo a isonomia ao tratar de forma diferente justamente as famílias mais atingidas pela pandemia, reduzindo os prazos aplicáveis ao processo de adoção.
Já temos legislação e jurisprudência que garantem a colocação de crianças em família substituta com risco processual, não precisamos dessa alteração. Sessenta dias podem não ser suficientes para a realização de perícias e citação das partes, até porque a pandemia lentificou os serviços.
Qualquer decisão pelo encaminhamento da criança à adoção depende de estudos técnicos. Nesse momento em que a maioria dos tribunais trabalha de forma remota, as equipes técnicas do Judiciário igualmente não estão conseguindo fazer atendimentos presenciais, ainda mais em prazo tão exíguo. Fixar um prazo menor neste momento em que as condições de trabalho do Judiciário não estão na sua normalidade equivale a decidir pelo encaminhamento da criança à adoção sem os pareceres técnicos que respaldam as decisões judiciais. Isso fragiliza a segurança jurídica de uma medida irrevogável, com profundas consequências para o bem-estar integral da criança.
Uma condição adversa como a pandemia não pode ser utilizada como elemento a ser ponderado de forma mais gravosa contra a precedência do direito da criança à convivência familiar e comunitária com seus pais e família extensa. Não há qualquer razão plausível para se tratar “crianças abandonadas em razão da pandemia ou calamidade pública” de forma diferente. Ainda mais quando esta diferença configura-se como risco de uma ruptura familiar definitiva e um tratamento com maior rigor e tempestividade.
Pelas razões expostas nos posicionamos pela REJEIÇÃO do Projeto de Lei n° 4414/2020.
Brasília, 03 de setembro de 2020.
Desembargador José Antônio Daltoé Cezar Presidente da ABRAMINJ
Juiz Haroldo Luiz Rigo da Silva Presidente do FONAJUP