Nota sobre o PL 7.553/2.014.
A Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude – ABRAMINJ, instituição que possui mais de 800 associados, e que há décadas empreende esforços para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, vem publicamente manifestar sua total CONTRARIEDADE com o Projeto de Lei no 7.553/2.014, o qual está atualmente tramitando na Câmara dos Deputados.
E por que o faz?
Referida proposta legislativa pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1.990, revogando o artigo 247, para assim alegadamente permitir a divulgação de imagens, fotografias e vídeos de adolescentes maiores de 14 anos de idade, a quem se atribua atos infracionais, situações que poderão gerar violações da intimidade e honra dessas pessoas.
É sempre bom relembrar, para que os equívocos do passado não sejam reprisados no futuro, unicamente em razão de uma falta de conhecimento da história.
Até a Constituição Federal de 1.988, da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1.989, e do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1.990, crianças e adolescentes não eram considerados sujeitos de direitos.
Sob a égide do Código de Menores – Lei Federal no 6.697/79, vigia a chamada doutrina da situação irregular, que disciplinava as situações de pessoas com idade inferior a 18 anos, que estivessem abandonadas materialmente, fossem vítimas de maus-tratos, ou estivessem praticando ações contra a ordem pública (atos infracionais), sem a assistência jurídica necessária.
Essas pessoas eram objetos de atividades policiais e políticas sociais, quem as julgava eram os Juízes de Menores, e nos procedimentos judiciais não eram observados o contraditório e a ampla defesa.
Em outras palavras, nessa faixa etária as pessoas ou eram objetos de ações por parte do poder público, quando estivessem em situação irregular, ou, não sendo essa a situação, eram objetos das decisões de seus pais ou responsáveis legais, que em relação a ela tudo decidiam.
Isso, como aqui já referido, começou a mudar em 1.988, com a Constituição Federal, que em seu artigo 227 as reconheceu como sujeitos de direitos (saúde, educação, convivência familiar, convivência comunitária, dignidade humana, etc), em momento algum submetendo o exercício desses direitos à concordância dos adultos.
A bem da verdade, a Constituição de 1.988, ao reconhecer esses direitos de crianças e adolescentes, apenas incorporou os conceitos elaborados na Convenção sobre os Direitos da Criança que foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1.989.
Essa Convenção, que balizou a Constituição Federal de 1.988, e posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1.990, é nada mais do que o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, tendo sido ratificada por 196 países (sendo que somente os EUA não a ratificaram).
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1.990.
E o que diz a Convenção sobre os Direitos da Criança, mais especificamente sobre o objeto de contrariedade desta nota?
Dispõe ela na Parte I, artigo 1:
“Para efeito da presente Convenção, considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, salvo quando, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
No Brasil, conforme define a Constituição Federal em seu artigo 228, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos.
No artigo 40, 2, letra “b”, item 1, dispõe a Convenção sobre os Direitos da Criança:
Nesse sentido, e de acordo com as disposições pertinentes dos documentos internacionais, os Estados assegurarão, em particular:
b) de toda criança de quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare ter infringido essas leis goze, pelo menos, das seguintes garantias:
1. ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpa, de acordo com a legislação;
7. ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo.
Ora, é mais do que óbvio que não será possível respeitar o princípio da presunção de inocência, e de ter o(a) adolescente respeitada a sua vida privada, se for autorizada a divulgação de suas fotografias, vídeos e imagens, mormente nos dias atuais, quando, pelas redes sociais, milhões de pessoas poderão ter acesso a elas, em apenas alguns segundos.
Muito mais poderia ser dito a respeito do projeto de lei, como a afronta ao artigo 5o, X, e artigo 227, ambos da Constituição Federal, que garantem o direito de crianças e adolescentes à dignidade, o que não ocorrerá caso tenham suas vidas divulgadas pelos meios de comunicação, todavia, entidades coirmãs como a AJURIS e o FONAJUV já o fizeram em suas notas de contrariedade ao mesmo Projeto de Lei, sendo dispensável repetir tão lúcidos argumentos.
Por fim, convém salientar que mesmo que seja o Projeto de Lei aprovado na forma como se encontra, revogando o artigo 247 do ECA, caso sua intenção seja apenas a de penalizar jovens não imputáveis com a publicação de suas fotografias, vídeos e imagens, que não fazendo ele qualquer menção ao artigo 143, também do ECA, continuará sendo proibida qualquer notícia a respeito de ato infracional que identifique criança ou adolescente, e que fotografias, referências a nomes, apelidos, filiação, parentesco e residência, sejam divulgados.
Dessa forma, reafirma a ABRAMINJ seu compromisso com a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, solicitando que o Congresso Nacional não aprove o Projeto de Lei no 7.553/2.014.
Brasília, 22 de abril de 2.022